Sobre a leitura de clássicos
Sérgio Ventura.
As obras literárias infantis são grandes aliadas da formação do futuro cidadão. O livro estimula o universo cognitivo da criança aumentando seu potencial de aprendizado. A literatura infantil procura dar sentido às brincadeiras e ao que acontece no mundo real.
Em seu livro, Ana Maria conta, em Clássicos Universais, a história de quando era uma criança e teve seu primeiro contato com um clássico. Na verdade, era uma pequena escultura de bronze de Dom Quixote e Sancho Pança. Só depois foi conhecer a obra, contada oralmente por seu pai. O livro, desde então, e em especial, “Dom Quixote”, marcam a sua vida e a de outros escritores, como bem exemplifica. A autora chama atenção ao fato de que a leitura dos clássicos “passou a fazer parte indissociável da bagagem cultural e afetiva”, passou a ser um formador de personalidades. Ana sabe que a leitura não é a mesma desde o seu tempo, “o ensino é diferente, e o mundo é outro”
Na busca do entendimento para uma aproximação do leitor com os livros, a imaginação e valores éticos tornam-se fatores trabalhados desde cedo pela literatura infantil. Durante a fase mais fantasiosa da vida, as crianças precisam de estímulos menos concretos. Ilustrações e histórias que possibilitem idealizar um mundo próprio são os instrumentos mais indicados para incentivar a criação e a inspiração tanto nessa fase quanto na do futuro. Os livros podem mostrar às crianças conteúdos possíveis de ser vivenciados como sentimentos. É uma forma de prepará-las para as experiências e angústias ao longo da vida. Muitas delas sofrem quando um dos personagens passa por momentos de tensão, e isso pode contribuir para que, aos poucos, construam em seu ego a personalidade e a afetividade.
O uso de personagens e suas simbologias dependem da cultura de cada país ou região. Em cada lugar, determinados animais ou personagens remetem a um símbolo ou emoção. As narrativas são uma das oportunidades de apresentar aos meninos e meninas novos conceitos e sentidos ligados à cultura de seu povo. São como uma forma de conhecer o mundo a partir da fantasia.
A “moral da história” é sempre bem-vinda. Histórias que possuem valores éticos e morais aliados aos bons exemplos vividos em família são essenciais na formação do superego. As imagens e experiências ficam impressas em cada um e irão influenciar as ações e a consciência delas no amanhã. A busca pelos livros deve ser estimulada desde cedo. Mesmo os livrinhos de pano, apenas com figuras, já são aconselhados para que eles se familiarizem com o objeto livro e com a forma com que as narrativas são traçadas. As figuras estimulam as fantasias.

Segundo Ana Maria (2002) “ninguém tem que ser obrigado a ler nada. Ler é um direito de cada cidadão, não um dever”. Nada mais certo. A leitura deve ser um ato de amor, de contentamento e cumplicidade. A leitura é “um transporte para outro universo, onde o leitor se transforma em parte da vida de outro, e passa a ser alguém que ele não é no mundo quotidiano.”

Ana Maria destaca em sua obra os clássicos gregos e sua influência em outras obras, tal como fez de forma magistral Monteiro Lobato em “O Minotauro” e “Os Doze Trabalhos de Hércules”. Fala sobre a Bíblia e as lendas do Rei Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda, sobre O Senhor dos Anéis (J. R. Tolkien), e o magnífico Dom Quixote de La Mancha (Miguel de Cervantes), que com suas aventuras “questiona o certo e o errado, o direito e o torto, mas também faz com que nos emocionemos com a dimensão da solidariedade humana e da compaixão pelo semelhante, com a sede de justiça e a ânsia do bem.” O livro ainda aborda os contos de fadas, em grande parte histórias passadas de geração a geração e que depois foram compiladas em antologias. Nesse campo se destacaram Charles Perrault, que imortalizou Chapeuzinho Vermelho, O Gato de Botas e Cinderela; os irmãos Wilhem e Jacob Grimm; e Hans Christian Andersen, talvez o mais importante de todos, conhecido como o “pai da literatura infantil”. O texto também faz honrarias a autores como Jack London (Caninos Brancos, Chamado Selvagem), Robert Luis Stevenson (A Ilha do Tesouro, O Médico e o Mostro), Rudyard Kipling (O Livro da Selva), Alexandre Dumas (Os Três Mosqueteiros, O Conde de Monte Cristo), Daniel Defoe (Robinson Crusoé), James M. Barrie (Peter Pan), e Lewis Carrol (Alice no País das Maravilhas). Fala da importância de Mark Twain, Edgar Alan Poe, Arthur Conan Doyle, Charles Dickens, J. D. Salinger, H. G. Wells, George Orwell e Aldous Huxley. Entre os brasileiros, destaque inquestionável para Monteiro Lobato, com “Reinações de Narizinho” e o fantástico universo do “Sítio do Pica Pau Amarelo”. Enfim, extensa é a lista de autores e livros citados
Ana Maria usa a história da literatura para explicar como o nosso cotidiano é marcado e influenciado por essa literatura. Dos contos mais remotos, histórias de origem oral e escrita, mitos, utopias, todas, histórias que caracterizam e explicam muito do pensamento atual. Por exemplo, a frase “dar a outra face”, infere uma ideologia cristianizada, do qual o homem tem que saber perdoar, perder, conter a vingança etc. conceito com base na bíblia e propagado nos diferentes discursos sobre a não-violência. Para isso leia-se Ghandi.
A intertextualidade e extratextualidade perpassam os capítulos de Ana Maria. Com base numa obra, vemos outras mil criadas, abordando os mesmos temas, sob diferentes perspectivas. Como simples palavras “mesa redonda” estão inculcadas de tamanha história. Ana Refere a historia da literatura inglesa, os chamados contos de cavalaria, a “matéria da Bretanha” e identifica a influência desses contos na construção do nacionalismo europeu ocidental. As palavras ao longo do tempo vão ganhando novos sentidos. Como bem afirma Orlandi (2006, p. 42) “a leitura pode ser previsível porque os sentidos têm sua história, e por que um texto tem relação com outros textos”
Para Ana Maria (2002), ler com qualidade, “é ficar mais tolerante e mais humilde, aceitar a diversidade, dispor-se a tolerar a divergência”.
A obra tem por objetivo despertar o gosto pela leitura e oferecer variedades de clássicos com referências em qualquer época para crianças de todas as idades, jovens e adultos, a fim de que possam conhecer o mais rico imaginário popular e sentimentos humanos.
MACHADO, Ana Maria. Como e por que ler os clássicos universais desde cedo. Rio de Janeiro: Ed. Objetiva, 2002, 145 pág.
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